A canela, assim conhecida popularmente, consiste na parte inferior da perna, cuja extensão é do joelho até o tornozelo, é formada por ossos, músculos, ligamentos e outras estruturas. Esta região é muito importante na sustentação do corpo, por isso sua saúde – força, nutrição e flexibilidade – devem ser conservadas.
Os ossos que compõem a canela são a tíbia e a fíbula, sendo a tíbia o segundo maior osso de sustentação de peso, podendo medir cerca de 40 centímetros. A tíbia está localizada na região ântero-medial, articula-se paralelamente à fíbula, com o fêmur, formando o joelho e com o tálus formando o tornozelo.
Anatomicamente, a tíbia é composta por diversas estruturas: duas extremidades, também chamadas epífises, revestidas com tecido cartilaginoso; a diáfise, que consiste em toda a extensão do osso entre as epífises; o canal ósseo, onde está situada a medula óssea e, por fim, o periósteo, que consiste na membrana de revestimento, encontrada em torno de todo o osso.
Vale aprofundar que o periósteo é formado por tecido conjuntivo e fibroso, tem como função a proteção do osso, produção de fibroblastos e envolvimento de nervos e vasos sanguíneos. Já em relação à musculatura da canela, os principais são o músculo sóleo, músculo fibular, músculo tibial.
O entendimento das estruturas explicitadas até aqui são de suma importância para a compreensão da patologia para a qual este texto se direciona, isto é, a canelite. Portanto, continue acompanhando o artigo para saber que se trata, quais as causas, sintomas e tratamento.
O que é canelite?
Canelite é o termo popularmente utilizado para se referir à síndrome do estresse tibial medial, uma inflamação dolorosa que acomete alguma estrutura da canela, podendo ser algum músculo, ligamento ou a tíbia. Quando acomete o osso, é preciso verificar a parte na qual a inflamação incide inicialmente, sendo muito comum a inflamação no periósteo, o que impossibilita de o osso ser protegido ou ser recuperado.
A síndrome do estresse tibial medial é uma agravante que afeta a parte central da canela. É uma afecção muito comum entre desportistas, principalmente corredores e de esportes de muito impacto, como basquete, vôlei, futebol, ginástica, etc.
Causas da canelite
Não se sabe ao certo o processo exato que faz com que haja o estresse tibial, o que se sabe é a canela ser onde o impacto da pisada e da sustentação do corpo é maior.
Por isso, as estruturas ficam suscetíveis a partir da associação de outros fatores, como os que estão descritos abaixo:
- Histórico: se o indivíduo já teve um quadro de canelite posteriormente, ele é mais predisposto a desenvolver a patologia novamente;
- Causas biomecânicas e anatômicas: movimento de pronação excessiva, ou seja, quando o pé se volta para dentro, movimento do pé repetitivo ou muito rapidamente, anatomia do pé com a curvatura na sola muito enfatizada ou pés chatos;
- Fraqueza muscular: o músculo sóleo e os flexores plantares devem ter força e flexibilidade necessárias para realizar movimentos adequadamente, de forma contrária os ossos e os ligamentos são sobrecrregados, principalmente nos movimentos de amortecimento de saltos, corrida e caminhada;
- Sedentarismo e sobrepeso: o sedentarismo é causa de enfraquecimento e falta de flexibilidade nos músculos, o que contribui com o desenvolvimento da canelite, enquanto o sobrepeso interfere na sobrecarga que incide no músculo;
- Erros de treinamento: aumento da intensidade, movimento do exercício realizado de forma errada ou carga excessiva de peso podem desencadear a inflamação na canela;
- Lesões anteriores: qualquer lesão na região da canela ou em músculos adjacentes pode contribuir com a predisposição à canelite;
- Fator ambiental: solo muito irregular e acidentado pode contribuir com o esforço excessivo ou com a alteração da biomecânica;
- Fator de gênero: as mulheres são mais predispostas anatomicamente, pois o quadril feminino é mais largo e com isso, a posição do fêmur tem um ângulo diferente, de forma que a tíbia também apresente uma angulação mais enfatizada, por isso as mulheres podem desenvolver a canelite, por outro lado, homens são predispostos culturalmente, uma vez que a maioria dos atletas de esportes de impacto e de corrida são homens;
- Fatores alimentares: este fator é pouco observado, mas possui certa influência, pois os ossos e músculos necessitam de nutrientes para que sua saúde seja conservada, principalmente alimentos ricos em proteína e minerais como cálcio, potássio, magnésio e fósforo, sem eles, o periósteo não consegue desempenhar suas funções apropriadamente.
Sintomas da canelite
Principal sintoma da canelite é o quadro álgico na canela.
Esta dor é localizada no meio da canela, local no qual se situa a tíbia, porém, pode haver dor irradiada nas regiões adjacentes, como na panturrilha, no tornozelo, na sola do pé, na coxa. Vale explicar que esta irradiação da dor é devido à compensação do movimento, o paciente busca uma posição mais confortável para realizar o movimento, porém isto esforça outros músculos.
A dor pode ser constante, pode ser sentida com o toque ou apenas quando o movimento é realizado, isto é, ao correr ou ao saltar. Geralmente os sintomas apresentam-se de forma bilateral e concomitantemente.
Diagnóstico da canelite
Muitas vezes os sintomas da canelite são negligenciados, a pessoa percebe a dor, porém é comum deixar de procurar ajuda médica por não acreditar que seja algo importante e merece tratamento. Por isso, é fundamental a informação, com ela as pessoas compreendem sobre a patologia e com isso, é possível saber o momento de procurar um médico, realizar exames e se necessário, fazer tratamento.
O primeiro passo é procurar um médico que atenda às condições individuais, em seguida, é feito o diagnóstico por meio de anamnese, isto é, questões acerca da sintomatologia, do histórico de saúde, histórico familiar, eventos antecessores que podem estar relacionados, como o aumento de intensidade nas atividades e a ocorrência de lesões, bem como hábitos e hobbies, como esportes, atividades ou sedentarismo.
Após o levantamento das informações, o médico analisa fisicamente o paciente, observando a anatomia da canela, o formato do pé, o alinhamento do joelho, da tíbia e do fêmur, bem como a biomecânica de como o paciente anda, corre e pula.
São recorrentes em patologias osteomusculares os exames de imagem, a saber: radiografia comum, cintilografia óssea, ressonância magnética ou tomografia computadorizada.
É essencial o diagnóstico precoce, pois se a afecção não for tratada, podem ocorrer outras circunstâncias mais graves, como fraturas por estresse, isto é, o estresse excessivo é uma sobrecarga tão alta que pode causar danos sob os ossos e com a canelite instalada, o periósteo se apresenta mais vulnerável, tornando a possibilidade de fratura crescente.
Tratamento de canelite
O tratamento da canelite deve incidir sobre os elementos causais e na recuperação do funcionamento adequado das estruturas. Isto quer dizer que a partir do diagnóstico, é possível direcionar o tratamento para solucionar o que está causando.
No entanto, inicialmente cabe o repouso com administração de analgésicos e anti-inflamatórios orais ou tópicos – gel, spray ou pomada aplicados diretamente na região afetada – e compressa de gelo.
Se a causa for biomecânica, o tratamento deve envolver a correção do movimento, neste caso o tratamento é realizado com a fisioterapia, que além da correção, consegue fortalecer os músculos da panturrilha, da coxa e do quadril e adaptá-los ao movimento de corrida e outros impactos.
Já se a causa for uma lesão, o tratamento poderá incluir um procedimento cirúrgico, que visa à liberação do músculo sóleo ou à cauterização do periósteo. Se, por sua vez, a causa envolver sobrepeso, será necessário incluir atividade física e reeducação alimentar.
No geral, seja qual for a causa, o tratamento deverá incluir medicamento para alívio da dor e para resolver o processo inflamatório; fisioterapia também é essencial para todos os casos, seja para alívio da dor, aumento da força e flexibilidade ou para a correção e recuperação do movimento; a adoção de hábitos adequados é sempre recomendada também, o que inclui atividade física com acompanhamento, para que não haja lesões, erros ou sobrecarga.
Conclusão
A canelite é profissionalmente conhecida como síndrome do estresse tibial medial, uma patologia que afeta principalmente os atletas de corrida e que além disso, é provável de afetar mulheres e indivíduos que possuam o pé chato ou muito curvado, bem como praticantes de musculação que passam por episódio de erro de execução do exercício.
Para prevenir a patologia, e preciso fortalecer os músculos e realizar alongamento, ingerir alimentos ricos em minerais, manter o peso corpóreo adequado, realizar fisioterapia e exercícios que ajustem ou corrijam a biomecânica, estar atento a dores sutis e procurar o médico, etc.
O tratamento varia de acordo com a causa, porém no geral o tratamento inclui medicamentos, fisioterapia, adoção de hábitos saudáveis e em alguns casos pode haver cirurgia.
No mais, a canelite não é uma patologia grave, porém se não tratada pode evoluir para um grau preocupante no qual pode ocorrer fratura por estresse e, vale acrescentar, que fraturas ósseas podem ocasionar diversas complicações em outros sistemas do corpo, inclusive o circulatório e o respiratório.
Dr. Marcus Yu Bin Pai
CRM-SP: 158074 / RQE: 65523 - 65524 |
Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP. Pesquisador e Colaborador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP. Diretor de Marketing do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo (CMAeSP).
Integrante da Câmara Técnica de Acupuntura do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Secretário do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Presidente do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET).
Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Dor da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Conselho Revisor - Medicina Física e Reabilitação da Journal of the Brazilian Medical Association (AMB).